sexta-feira, 15 de junho de 2012


SE ACASO

A grade não estaria trancada. Diante dela uma escadaria de madeira azul descascada, uns vinte degraus, mas não seria por ela, um portãozinho com igual pintura abriria a um patamar de ladrilhos, um corredor e um pátio. Haveria um tanque de lavar, banheiros, corredor, janela, corredor, seria este à esquerda. Teria portas nos lados, chão cimentado úmido e nenhuma lâmpada acesa; no final se abriria outro pátio, menor e cego exceto por uma escada íngreme de corrimão muito alto, acesso a um quadrado com muretas com o Coração em frente, e janelas e atrás, à direita, uma porta grande e um corredor. Estaria um pouco escuro mesmo de dia, haveria vitrines com coisas antigas e, dados alguns passos, uma escada em caracol que subiria e, do meio para cima, pareceria mover-se. No entanto, não se moveria até o fim, este sendo uma salinha atulhada com uma porta baixa, a qual daria a um vestíbulo com uma cadeira em um canto e a porta da Cabine de Projeção, uma outra porta e mais uma escada, essa felizmente para baixo. Por trás das cortinas estaria a sala de projeção, vazia, e sob a tela branca a saída teria nos dois lados banheiros; qualquer um deles teria uma porta para fora e, indo por uma rua de paralelepípedos, casas à esquerda, capim e córrego à direita, findaria a rua em uma vista infinita da cidade. Qualquer dos caminhos descendo pela praça levaria a um pavilhão de concreto e vidro, desocupado, e uma rampa para baixo, com paredes de tijolos transparentes e, atravessada com cuidado a avenida mal iluminada e evitados os porcos no canteiro, um pórtico entre dois grandes nus de mármore negro. O guichê de Informações de pouco serviria. O correto seria cruzar a passarela bem em frente e, na outra ala, encontrar a praça de alimentação; um enorme banner meio que esconderia umas catracas. Pelos buracos nas paredes de madeira vazariam hálitos, uma placa amarela gritaria PARE. No estacionamento estariam poucos carros e o elevador de carga saltaria à vista, e barulentamente subiria e se abriria a um amplo living, cozinha americana, área de serviço conjugada à laje de cobertura. Entre várias chaminés, uma porta de ferro e vidro sujo, um batente perigoso, um salão decorado com balões azuis e brancos, e, por trás das cabines de tradução simultânea, depois do bebedouro se revelaria aberto um dos painéis de madeirite branco-sujo, e a copa anexa daria para um túnel com tubulações. A passagem para pedestres se estreitaria e, aqui e ali, faltariam tampas aos bueiros; o túnel seria, agora, bem iluminado e para automóveis, ainda que não passasse, no momento, nenhum. Ao lado da saída, um caminho feito a pés no capinzal, um caminho poeirento cruzaria os trilhos enferrujados, e estes para o lado errado não dariam em nada, mas para o outro logo encontrariam a estação velha. Na sala 1 do anexo morcegos protestariam, e por trás da estante maior ficariam a carceragem e o mezanino, por entre cujas mesinhas de falso mármore e cadeiras de metal haveria uma passagem apertada para nada menos que as portas de mogno e vidro bizotê. Além delas um cachorro latiria atrás de um portão, os corredores avarandados circundariam a chuva e, após muitas batidas supostamente discretas na porta à direita dos caixotes, de trás da janela vizinha diriam que ela não mora mais aqui.